Este texto de Eça de Queirós mostra bem como o século XIX foi um período profundamente antisemita e explica de certa forma como foi possível acontecer o Holocausto. Era bom que as pessoas que incendeiam o ódio contra os muçulmanos ou outras culturas e as que tanto criticam o politicamente correcto aprendessem com os erros dos nossos antepassados. Às vezes o que parece demasiado óbvio pode ser apenas o acender do rastilho para algo muito perigoso. Se Eça foi capaz de escrever um texto tão xenófobo, imaginem o que sentiriam os alemães.
"(...) Mas o pior ainda na Alemanha é o hábil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem o luxo, tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Alemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociais — a Bolsa e a Imprensa. Quase todas as grandes casas bancárias da Alemanha, quase todos os grandes jornais estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacável. De modo que não só expulsa o alemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulência rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injúria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que há-de fazer, o que há-de pensar, como se há-de governar e com que se há-de bater!Tudo isto ainda seria suportável se o judeu se fundisse com a raça indígena. Mas não. O mundo judeu conserva-se isolado, compacto, inacessível e impenetrável. As muralhas formidáveis do templo de Salomão, que foram arrasadas, continuam a pôr em torno dele um obstáculo de cidadelas. Dentro de Berlim há uma verdadeira Jerusalém inexpugnável: aí se refugiam com o seu Deus, o seu livro, os seus costumes, o seu Sabbath, a sua língua, o seu orgulho, a sua secura, gozando o ouro e desprezando o cristão. Invadem a sociedade alemã, querem lá brilhar e dominar, mas não permitem que o alemão meta sequer o bico do sapato dentro da sociedade judaica. Só casam entre si; entre si, ajudam-se regiamente, dando-se uns aos outros milhões — mas não favoreceriam com um troco o alemão esfomeado; e põem um orgulho, um coquetismo insolente em se diferençar do resto da nação em tudo, desde a maneira de pensar até à maneira de vestir. Naturalmente, um exclusivismo tão acentuado é interpretado como hostilidade — e pago com ódio. (...)"
Eça de Queiroz, «Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres», 1877-1882
6 comentários
Por Mário Azevedo
às 12:05.
"(...) Mas o pior ainda na Alemanha é o hábil plano com que fortificam a sua prosperidade e garantem o luxo, tão hábil que tem um sabor de conspiração: na Alemanha, o judeu, lentamente, surdamente, tem-se apoderado das duas grandes forças sociais — a Bolsa e a Imprensa. Quase todas as grandes casas bancárias da Alemanha, quase todos os grandes jornais estão na posse do semita. Assim, torna-se inatacável. De modo que não só expulsa o alemão das profissões liberais, o humilha com a sua opulência rutilante, e o traz dependente pelo capital; mas, injúria suprema, pela voz dos seus jornais, ordena-lhe o que há-de fazer, o que há-de pensar, como se há-de governar e com que se há-de bater!Tudo isto ainda seria suportável se o judeu se fundisse com a raça indígena. Mas não. O mundo judeu conserva-se isolado, compacto, inacessível e impenetrável. As muralhas formidáveis do templo de Salomão, que foram arrasadas, continuam a pôr em torno dele um obstáculo de cidadelas. Dentro de Berlim há uma verdadeira Jerusalém inexpugnável: aí se refugiam com o seu Deus, o seu livro, os seus costumes, o seu Sabbath, a sua língua, o seu orgulho, a sua secura, gozando o ouro e desprezando o cristão. Invadem a sociedade alemã, querem lá brilhar e dominar, mas não permitem que o alemão meta sequer o bico do sapato dentro da sociedade judaica. Só casam entre si; entre si, ajudam-se regiamente, dando-se uns aos outros milhões — mas não favoreceriam com um troco o alemão esfomeado; e põem um orgulho, um coquetismo insolente em se diferençar do resto da nação em tudo, desde a maneira de pensar até à maneira de vestir. Naturalmente, um exclusivismo tão acentuado é interpretado como hostilidade — e pago com ódio. (...)"
Eça de Queiroz, «Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres», 1877-1882
6 Comentários a “Politicamente correcto, dizem eles”
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Ao mesmo tempo horrível e precioso para os dias de hoje.
Pela óptica de Eça, lemos sua crítica, por judeus casarem entre si, com seu total "esquecimento" de que católicos também casam entre si. Ser judeu é pertencer a um povo antigo cuja religião era a mesma de Jesus Cristo assim como a de Maria e José.
A xenofobia no caso, separa alemães - todo aquele nascido no país - com aqueles que são semitas. Havia judeus alemães no século XIX assim como católicos alemães.
Ajuda-nos a pensar em como o preconceito pode deixar qualquer ser humano cego, independentemente de sua inteligência e cultura.
cris,
Obrigado pelo teu comentário. É realmente um texto precioso para percebermos como a dificuldade de entendermos outras culturas pode ter cosequências incalculáveis. Mas não se deve ter uma leitura anacrónica deste texto. Eça não poderia imaginar o Holocausto e reprová-lo-ia.
Concordo, mas não imaginei que tivesse passado a idéia de ligar o pensamento xenófobo do Eça na época ao Holocausto.
Reafirmo apenas que a xenofobia ou o preconceito cegam, e digo isso sem querer prever ou imaginar alguma acção premeditada por parte do próprio - xenófobo. Falo como facto, não como causa, ok? :)
claro que não passaste essa ideia. só estava só a chamar atenção para o perigo do anacronimo.
Mário, então juro por Deus e "prá Deus" que não entendi de quem é a visão anacrónica. Mais passado e mais actualidade impossível. :)
Ser contra israelitas/judeus ou ser anti-semita - entendo alguma coisa do assunto - é atemporal e infelizmente parece que continuará por ainda muito tempo.
O texto de Eça - neste caso específico aqui relatado - se trata de um pensamento antisemita no século XIX, onde esta mesma linha de pensamento que era real continua a mesma; assim como o que é dito, tal como:"judeus só casarem entre si" ou... terem o "total poder...Bolsa e Imprensa". Quando o assunto é produção cinematográficas americana ligam imediatamente a pessoas de origem israelita. O Holocausto partiu de um nacionalista, fascista, louco que não era alemão e seus motivos de perseguição foram muitos. Intelectuais, homossexuais e outras minorias foram perseguidos e qq um que não tivesse o "perfil ariano" seria perseguido, sendo uma de suas características principais um determinado mtamanho para o cérebro. Foram insanidades que precisam ser constantemente relembradas.
Com relação aos muçulmanos e às charges, pelo que eu tenho lido, foi uma irresponsabilidade e imaturidade política de um jornal que apoia o Partido Popular da Dinamarca e é assunto para muitos posts e para ainda algumas semanas, infelizmente. Acho o preconceito - qq um deles - perigoso e incompreensível. Obrigada por responder aos meus comentários. Fique bem.
Não, não sou judia. :)
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