Recebi ontem um e-mail que diz assim:
"As férias impediram-me de louvar aqui o novo "Estatuto do Deputado" publicado em Julho no DR que prevê que cada deputado passe a ter um assessor "pessoal", além dos que já têm os grupos parlamentares. A medida contribuirá decerto decisivamente para os 150 000 novos postos de trabalho prometidos no programa do Governo, mesmo custando (adivinhem a quem) entre 4,6 e 7 milhões de euros por ano. Para já serão só mais 230 empregos, mas outros hão-de vir. Iremos, pois, eleger 230 deputados e estes elegerão depois, entre cônjuges, familiares e amigos seus e do Partido, mais 230 para trabalharem (ou, se for o caso, dormirem na bancada) por eles. Nesta altura, o PS tem já 76 assessores a quem a AR paga 2,2 milhões de euros por ano; o PSD 53 (1,7 milhões); o PCP 24 (660 mil), o CDS 22 (660 mil), o BE 26 (524 mil), o que dá um total de 201 assessores e uma média de 0,87 assessores por deputado (quem não está com meias medidas é o BE 3,25 assessores por deputado). Feitas as contas, cada assessor ganha, em média, 2000 euros por mês, o que, nos tempos que correm, não lhes deve dar motivo de queixa. Vai ser preciso, claro, fechar mais urgências, maternidades, hospitais e escolas e despedir mais professores e funcionários públicos. Mas é por uma boa causa."
Nos últimos anos tenho recebido dezenas de mensagens deste tipo. Até já desenvolvi um sistema que permite a qualquer um criar um destes e-mails. Ora cá vai.
1- Seleccione-se um factóide qualquer, que até pode ser verdadeiro. Tem de ser suficientemente aliciante para criar alguma polémica e, ao mesmo tempo, obscuro q.b. para que ninguém se lembre do que realmente aconteceu.
2 - Retire-se qualquer informação adicional que permita situar o factóide no contexto. Confie que mais de 90% das pessoas que vai receber o e-mail não se vai dar ao trabalho de verificar se isto é verdadeiro ou não, nem de apurar como é que as coisas se deram. E mesmo aqueles que resolvem verificar não se dão ao trabalho de informar mais ninguém. Retire-se também as fontes, para dar ao texto uma aura "olhem o que eles conseguiram abafar", "vejam o que descobri", "porra, os sacanas!". Isto é essencial, porque este "escândalo" tem de parecer uma descoberta secretíssima. No texto em apreço, a informação sobre o número de assessores que actualmente trabalha na AR foi divulgada pelo próprio Jaime Gama, ou seja, pelos serviços da AR! Mais, se forem ler a notícia completa (e não esta "opinião", que foi publicada on-line no JN), verão que os grupos parlamentares terão de realocar os assessores que já lá estão, porque não podem contratar mais ninguém. Ou seja, esta medida não vai custar mais um cêntimo a ninguém!
3 - Juntem-lhe uns números e uns comentários jocosos, sejam eles factuais ou não. Até coisas absurdas servem, como "despedir mais professores e funcionários públicos". Já algum foi despedido? Eu não dei conta de nada! E os salários dos assessores? Vocês fizeram as contas? É que, pegando no exemplo do BE, que o "comentador" ressalva, 524 mil euros a dividir por 26 dá cerca de 20150 euros por ano, perfazendo por mês, com subsídio de férias e natal, mais ou menos 1440 euros. Onde é que estão os 2000 euros? Tendo em conta que este é o vencimento bruto, vejam se este é um salário principesco, como dá a entender o "comentador". Mais, o comentário acerca do rácio assessor/deputado só pode ser de má-fé ou de quem não percebe nada do funcionamento da AR. Os partidos mais pequenos estão representados em tantas comissões parlamentares como o PS e o PSD, e por isso, os seus deputados não se podem dispersar tanto. Precisam mesmo de mais assessores por deputado. Esta opinião parece vir de alguém que pensa que documentos como o Orçamento de Estado são duas folhas A4 escritas frente-e-verso e que a análise que se faz é assim: "eh pá, fizeste mal as contas, man... olha que três vezes cinco são quinze e escreveste vinte...".
4 - Lê-se o que está escrito. Se a reacção provável de quem vier a ler o texto é "ahhh, filhos da puta, gatunos", já está bem. Envia-se para a lista de contactos e está criado um mito urbano. Lembrando que ninguém verifica o que está escrito e que clicar em "Reencaminhar" é muito fácil!

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