Estive aqui a pensar como deveria abordar mais esta acha atirada para a fogueira da discussão dos problemas da educação. A questão já ganhou duas vertentes: a primeira, verdadeira, tem que ver com a discussão da indisciplina nas escolas; a segunda, artificial, trata do aproveitamento político que resulta do incidente e a sua ligação com o Estatuto do Aluno.
Eu gostava muito de ser capaz de dizer que estes incidentes não se dariam se fizéssemos assim, assado ou estufado. Mas a verdade é que este tipo de problemas aconteciam no passado, acontecem agora e vão acontecer no futuro. Cruamente, este é um problema que não tem solução. Alunos indisciplinados sempre existiram e sempre vão existir, professores mal-preparados e incapazes de lidar com estas situações também. Dizer que "no meu tempo isto não era assim" é falso, ou pelo menos uma verdade muito incompleta. Quem duvidar pode perguntar a alguém que tenha andado no ciclo das Caxinas, por exemplo.
O mundo mudou tanto desde que entrei para a escola, ou seja, há 30 anos, que qualquer comparação com o "meu tempo" é anedótica e inconsequente. Não havia telemóveis, Internet, 50 canais de televisão e mesmo os livros e jornais não eram de acesso tão livre e fácil como agora. A relação da maior parte das pessoas com a escola era muito, mas mesmo muito diferente. As minhas avós nunca puseram os pés numa sala de aulas quando eram meninas (a minha avó materna ainda foi a tempo de aprender a ler depois dos 60) e os meus avôs só lá estiveram o tempo suficiente para aprender as letras antes de ganhar o mar. E mesmo se lá estivessem, muito provavalmente não teriam nada de seu que pudesse ser retirado pela professora, como tinha a Patrícia. Nesta altura, era fácil incutir a ideia de que a escola e os professores eram uma fonte de saber apetecível e, porventura, única. Uma ideia muito distante da que os jovens actualmente levam para as salas de aula.
É importante que este vídeo seja divulgado, porque pais e professores têm de trabalhar conjuntamente para minorar (nunca acabar, porque isto é impossível) este problema. Por um lado, os pais têm de ser obrigados a pensar em temas tão simples como: o meu filho precisa realmente de um telemóvel com câmara de filmar? o meu filho necessita mesmo de enviar 1500 mensagens de texto numa semana? E alguns professores não podem continuar a julgar que a forma de exercer autoridade sobre os alunos resume-se à fórmula: "sentem-se, calem-se, não se mexam, oiçam o que eu digo".
E não entremos em extremismos. Extrapolando a informação possível de um vídeo de 2 minutos, passa a noção de que a relação entre aquela professora e aquela turma não devia ser muito pacífica antes disto. Pela atitude dos outros alunos, que só muito depois do início da confusão resolveram intervir, podemos concluir que não deve ter sido o primeiro episódio do tipo que presenciaram. E estes episódios, garanto eu, estão muito longe de ser frequentes nas escolas.
A escola democrática levou toda a gente às salas, e isto é bom. É uma conquista que não pode ser colocada em causa por acontecimentos esporádicos. Mas que levou de tudo, isto levou. E a escola não se preparou convenientemente para receber de tudo. Esta é a batalha que tem de ser travada. Mas é uma batalha que nunca vai ser completamente vencida.
A questão política levantada é irreal, mesmo vindo de quem vem. E não merece muito espaço. Desconfio que a Patrícia não ainda não tinha lido o Estatuto do Aluno antes de se pegar com a professora. E duvido que já o tenha feito.

1 Comentários a “O telemóvel da Patrícia”

  1. # Blogger Leandro Covas

    Concordo contigo. Isto não é novo. Nos nossos tempos de secundária isto já acontecia. Com uma diferença: tem vindo progressivamente a banalizar-se. Em conversa com o meu irmão - que é 4 anos mais novo e que partilhou comigo o mesmo ambiente de escola - cheguei à conclusão que eu conheci, por ouvir falar, estes incidentes enquanto ele assistiu e foi colega de alunos que insultavam e agrediram professores. Apenas imagino como será nos dias de hoje tendo como premissa a cada vez menor disponibilidade das pessoas para reconhecerem regras e limites que não sejam endógenos, sendo que mesmo aqui revelam o mais profundo fracasso (v.g. o problema do endividamento).
    Como podemos impor limites a adolescentes se também nós, na grande maioria, não passamos de velhos adolescentes que não reconhecemos limites aos nossos direitos e desconhecemos os nossos deveres sociais. A crise não é só educativas mas, principalmente, social. É isso que a liderança do PSD não percebeu. A única questão que se pode por em relação ao Estatuto do Aluno é saber qual a mensagem que encerra e se ela contraria ou agrava a tendência actual. Mas essa será uma discussão autónoma (embora não independente) a esta questão.  

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