Em Portugal há a tendência para se dizer que a esquerda está em crise quando o PSD está no poder e que a direita está em crise quando o PS está no poder. A mim não me apanham neste falácia. Parece-me evidente, sobretudo até quando o PS está no poder, que é a esquerda que está sempre numa profundíssima e estrutural crise. Está a perder em toda a linha.
Sócrates afirmou uma vez que não se importava que dissessem que ele não era de esquerda, porque disseram o mesmo de Soares e de Guterres. Este argumento, não sendo falso, falha contudo no óbvio. A verdade é que Guterres governou muito mais à direita do que Soares e que Sócrates governa muito mais à direita do que alguma vez o fez Guterres. Cada Governo socialista vai cedendo mais um pouco à direita.
Muitos amigos meus, que gostam do BE, poderão então perguntar-me por que razão não voto eu nos partidos "verdadeiramente" de esquerda. E a resposta é óbvia; porque tanto o PC como o BE, desculpem-me a sinceridade, são duas aberrações políticas. Eles não vivem neste mundo, não apresentam soluções para a realidade concreta em que vivemos. Não estou a dizer que não possam ter razão em um ou outro aspecto, que não sejam importantes para denunciar muitas coisas graves, estou sim a afirmar que na hora de apresentarem propostas para os problemas do país eles se limitam a fórmulas gastas, como se o mundo tivesse ficado parado há trinta anos, como se entretanto não tivessem aprendido nada, nem reflectido nada, nem questionado nada. A esquerda não está a perder apenas por causa da globalização e da pressão das grandes multinacionais. Está a perder porque errou, porque muitas das suas ideias apresentavam falhas.
Vejam este exemplo, eu sou a favor do ensino público porque acredito que só através dele podemos garantir que todas as crianças, independentemente da sua origem social, possam pelos seus meios, pelo seu esforço e pela sua dedicação, adquirir competências e conhecimentos para melhorar a sua condição social. Sem ensino público isto não é possível, e é por isso que a esquerda é importante. Mas parece-me óbvio que este ensino só terá eficácia se for exigente, se for de qualidade, o que não acontece. Por muito que doa, uma das razões desta falta de qualidade tem que ver com a classe docente . Os professores não são avaliados, não são premiados segundo o mérito e o trabalho. A isto o que é que o BE e o PC têm para dizer? Nada, a preocupação destes partidos é "defenderem os trabalhadores". Sim, os trabalhadores; esta abstracção de esquerda que parece esquecer que existem os bons e os maus, os que trabalham e os que não trabalham, os que merecem o emprego e os que não merecem. Os partidos de esquerda assumiram que eram os defensores dos trabalhadores (e por inerência dos funcionários públicos) e não saem daqui. Quando o essencial não são eles, mas sim a justiça social.
7 comentários
Por Mário Azevedo
às 16:28.
Sócrates afirmou uma vez que não se importava que dissessem que ele não era de esquerda, porque disseram o mesmo de Soares e de Guterres. Este argumento, não sendo falso, falha contudo no óbvio. A verdade é que Guterres governou muito mais à direita do que Soares e que Sócrates governa muito mais à direita do que alguma vez o fez Guterres. Cada Governo socialista vai cedendo mais um pouco à direita.
Muitos amigos meus, que gostam do BE, poderão então perguntar-me por que razão não voto eu nos partidos "verdadeiramente" de esquerda. E a resposta é óbvia; porque tanto o PC como o BE, desculpem-me a sinceridade, são duas aberrações políticas. Eles não vivem neste mundo, não apresentam soluções para a realidade concreta em que vivemos. Não estou a dizer que não possam ter razão em um ou outro aspecto, que não sejam importantes para denunciar muitas coisas graves, estou sim a afirmar que na hora de apresentarem propostas para os problemas do país eles se limitam a fórmulas gastas, como se o mundo tivesse ficado parado há trinta anos, como se entretanto não tivessem aprendido nada, nem reflectido nada, nem questionado nada. A esquerda não está a perder apenas por causa da globalização e da pressão das grandes multinacionais. Está a perder porque errou, porque muitas das suas ideias apresentavam falhas.
Vejam este exemplo, eu sou a favor do ensino público porque acredito que só através dele podemos garantir que todas as crianças, independentemente da sua origem social, possam pelos seus meios, pelo seu esforço e pela sua dedicação, adquirir competências e conhecimentos para melhorar a sua condição social. Sem ensino público isto não é possível, e é por isso que a esquerda é importante. Mas parece-me óbvio que este ensino só terá eficácia se for exigente, se for de qualidade, o que não acontece. Por muito que doa, uma das razões desta falta de qualidade tem que ver com a classe docente . Os professores não são avaliados, não são premiados segundo o mérito e o trabalho. A isto o que é que o BE e o PC têm para dizer? Nada, a preocupação destes partidos é "defenderem os trabalhadores". Sim, os trabalhadores; esta abstracção de esquerda que parece esquecer que existem os bons e os maus, os que trabalham e os que não trabalham, os que merecem o emprego e os que não merecem. Os partidos de esquerda assumiram que eram os defensores dos trabalhadores (e por inerência dos funcionários públicos) e não saem daqui. Quando o essencial não são eles, mas sim a justiça social.
7 Comentários a “A crise da esquerda”
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Mário,
Acho o teu post bastante lúcido. Concordo com ele e gostaria de "atirar mais uma acha para a fogueira". Um factor que também contribui para o fenómeno que identificas é aquele a que eu chamo “crise de ideologias”. È claro que não defendo a extinção destas, nem sequer que caminhemos para lá. No entanto, nos finais do século passado e inícios deste, temos assistido, primeiro, à luta, e depois, à consolidação dos regimes políticos e ideológicos que dominaram os últimos 90 anos. E com claro pendente favorável para os sectores políticos de direita. O económico tem, em certa medida, ditado o político. Mas não se pense que a direita também tem permanecido intacta. Vejam-se os regimes sociais-democratas nórdicos e a sua defesa do reforço papel do Estado em sectores estratégicos. O peso do capitalismo económico despoletou uma corrente de pensamento centrista que pende para a direita ou para a esquerda apenas em grau. Tendência a que vaticino forte incremento. A “terceira via” de Blair e o despoletar do “sector social” como referencial de Estado são disso exemplo. O que achas?
Um abraço.
A vossa acirrada defesa do neo-liberalismo só falha num ponto, que embora simples, é essencial para tentar perceber como se vão organizar as sociedades: a união harmónica entre capitalismo e a democracia é impossível, por ser contra-natura, e por representarem facções antagónicas de organização social. A este propósito, é de nota que a crítica associada aos estados socialistas que falharam a realização marxista do comunismo, nunca é aplicada ao capitalismo, que também não consegue atingir o seu ponto máximo (o "estado mínimo") sem a ajuda de um regiime totalitário. Não consegue e nunca conseguirá.
Sobre este tema, vale muito a pena ler os escritos de um extraordinário pensador português e minhoto, Almerindo Janela Afonso, sociólogo da Universidade do Minho, como este. Se não tiverem paciência para o ler todo, leiam este trecho: «"...uma
das grandes fraquezas da competitividade advém do facto de ser claramente
incapaz de reconciliar justiça social, eficiência económica, preservação ambiental,
democracia política e diversidade cultural, no mundo em que vivemos". Por isso,
este mesmo Grupo conclui: "Fica claro que temos que procurar uma alternativa
mais eficiente, mais efectiva e mais segura"». Quem conclui isto não sou, mas um grupo de sociólogos renuidos em 1994, o Grupo de Lisboa, que publicou "Limites à competição".
Por muitos Fukuyamas que se injectem à pressão no imaginário colectivo, a verdade é esta: o neo-liberalismo é uma maré. Como encheu, vai descer. O que interessa é sabermos o que vai sobrar quando vier a baixa-mar.
Alex,
Eu não defendo o neoliberalismo, nem tão pouco entendo que tenha que existir uma "união harmónica entre capitalismo e a democracia" ou que deva existir um "estado mínimo". O capitalismo (entendido aqui como criação de riqueza) é inevitável. Não se poderá distribuir o que não existe. Li, confesso que na diagonal, o estudo que mencionaste e, sinceramente, não concordo com muito do que lá é dito. Talvez pelo estudo ter mais de 15 anos e a realidade social ser orgânica, e como tal mutável.
Capitalismo, democracia e "Estado Social" não são mutuamente exclusivos. Antes formam uma permanente tensão dinâmica que flutuará os equilíbrios.
O que a realidade actual nos mostra é que o "Estado Previdência" tradicional faliu e que começa a surgir uma nova dinâmica que transfere o ónus da competitividade do colectivo para o indivíduo. A competitividade transferiu-se para o mercado de trabalho onde, por iniciativa das organizações e com a cumplicidade dos indivíduos, se gerem competências e conhecimentos (individuais e organizacionais). A "nova" competitividade consiste em criar valor acrescentado. Não é produzir mais, é produzir melhor com menos. Claro que este fluxo tem de ser temperado por questões éticas, humanistas e de justiça social. É aqui que o novo "Estado Social" está agora a despoletar. Não um "Estado mínimo". É, paradoxalmente, mais Estado e melhor Estado. Quer isto dizer um maior compromisso entre o indivíduo e a comunidade onde se insere. Como contrapartida, esta assegurará justiça e serviços sociais de molde a cimentar a orgânica social. Concomitantemente, o “sistema capitalista” é um padrão no tecido social, viverá nele e através dele. E por isso não está imune a pressões éticas e de justiça social. Repara: é o mercado que está actualmente a impor estas considerações às organizações ao ponto de estas gastarem autênticas fortunas na sua certificação em responsabilidade social.
O capitalismo não é intrinsecamente malévolo, assim como a democracia e o “estado Social” não são auto-sustentáveis.
Exemplo actual do que disse no país do capitalismo: http://www.nytimes.com/2007/02/04/business/yourmoney/04bigari.html?_r=1&th=&adxnnl=1&emc=th&pagewanted=1&adxnnlx=1170608788-zP5DLY9/0QUUIuIodobxjg
Carago, man, tens cada argumento...
Se não és liberal, desculpa lá, mas desconfio que andas a votar no partido errado. Até a Wikipédia refere o PSD como um "parttido conservador-liberal". E se não és liberal, andas a apoiar a malta que reza pela cartilha do liberalismo. Acredita que o Durão não chegou a Presidente da Comissão Europeia por saber falar línguas. E se eles te ouvem a falar de "mais Estado...", ainda levas com um paralelo na testa.
E o artigo é de 2000. Não tem nem perto de 15 anos.
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O problema é que o PSD sempre teve no seu seio várias correntes de pensamento. Eu sou um social democrata do tempo do PPD e de Sá Carneiro. E sejamos francos, os últimos anos de governação social-democrata foram um desastre. Daí talvez o meu pensamento esteja validado.
Eu não deifico sistemas económicos ou políticos. Também não deixo que me definam e me coloquem dentro duma caixa. Serei neoliberal quando concordar. Deixarei de o ser quando discordar. Confesso que me revejo maioritariamente nos seus conceitos mas também tenho consciência dos seus defeitos. Nada vale por si só e tudo merece aperfeiçoamento.
Quanto ao “mais Estado”: quero com isto significar que apoio um Estado com áreas de actuação estrategicamente definidas em função do seu papel na sociedade. Não defendo um Estado aglutinador e interventivo, mas um Estado regulador. O advérbio só entra na equação por defender que se substitua um Estado que pretenda disciplinar tudo e que não desempenhe com eficácia a sua função por um Estado eficiente em áreas fundamentais. E isso certamente justificaria a adição.