Andei com um texto de Huxley todo o dia na cabeça. No "Regresso ao Admirável Mundo Novo", escrito nos anos 40, que não posso citar porque não tenho o livro comigo, postula que o ser humano aspira e ama a servidão. Se lhe for dada a opção entre a liberdade e a servidão, acompanhada de conforto material e um narcótico / entretenimento, não hesita em escolher a segunda.
Vem isto a propósito das eleições presidenciais. Os analistas bradam slogans estúpidos, como "o povo é quem mais ordena", "o povo sabe escolher", "a voz do povo é a voz de Deus". O Público de hoje enche páginas inteiras com estas atoardas. Mas não. Não só o povo não ordena nada, como não sabe escolher, e, por fim, quem diz que a voz do povo é a voz de Deus é com certeza ateu.
É lugar comum criticar a classe política - a esquerda, a direita, os partidos, os dirigentes - é só escolher e juntar uma meia dúzia de imbecilidades e banalidades e lá sai um comentário político. É tudo falso. Vou escrever em maiúsculas para não haver dúvidas: O POVO NÃO QUER SABER. Tem raiva a quem sabe. Se puderem escolher entre continuar a ver a telenovela das 8 e salvar o meio ambiente, ganha a telenovela. Se a opção for um centro comercial ao pé de casa e acabar com a fome na África, perguntam já quantas lojas de material desportivo vai ter.
Se eu escrevesse num jornal, não poderia escrever isto; como é aqui não há problema. Portanto, se por um acaso qualquer um político de profissão estiver a ler, já sabe que estou contigo. Aliás, vou mais longe: os nossos políticos sérios não merecem este povinho. Trate os eleitores como escória. É o conselho que lhe posso dar.
O último que o fez chegou a Presidente da República.
8 comentários
Por Alex
às 21:56.
Vem isto a propósito das eleições presidenciais. Os analistas bradam slogans estúpidos, como "o povo é quem mais ordena", "o povo sabe escolher", "a voz do povo é a voz de Deus". O Público de hoje enche páginas inteiras com estas atoardas. Mas não. Não só o povo não ordena nada, como não sabe escolher, e, por fim, quem diz que a voz do povo é a voz de Deus é com certeza ateu.
É lugar comum criticar a classe política - a esquerda, a direita, os partidos, os dirigentes - é só escolher e juntar uma meia dúzia de imbecilidades e banalidades e lá sai um comentário político. É tudo falso. Vou escrever em maiúsculas para não haver dúvidas: O POVO NÃO QUER SABER. Tem raiva a quem sabe. Se puderem escolher entre continuar a ver a telenovela das 8 e salvar o meio ambiente, ganha a telenovela. Se a opção for um centro comercial ao pé de casa e acabar com a fome na África, perguntam já quantas lojas de material desportivo vai ter.
Se eu escrevesse num jornal, não poderia escrever isto; como é aqui não há problema. Portanto, se por um acaso qualquer um político de profissão estiver a ler, já sabe que estou contigo. Aliás, vou mais longe: os nossos políticos sérios não merecem este povinho. Trate os eleitores como escória. É o conselho que lhe posso dar.
O último que o fez chegou a Presidente da República.
8 Comentários a “O meu livro de Huxley”
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(actualmente) O que é o POVO!?!? o que há além do Povo? Ainda estamos numa sociedade de classes?
http://umpardebotas.blogs.sapo.pt
Esta questão tem de ser posta a quem diz ou escreve que "o povo é quem mais ordena". Eu, pela minha parte, não sou povo nenhum. Tenho mais que fazer.
Tens uma certa razão no que dizes e até posso concordar com os teus argumentos. No entanto, desculpa, mas questiono o motivo porque esgrimes este argumento agora. Será que o farias com a mesma vontade se tivesse ganho um candidato que não o Prof. Cavaco Silva (de quem não gostas)e que tivesse a tua simpatia? A democracia é o regime político mais imperfeito e tem destas coisas. Há dez anos ganhou o Dr. Jorge Sampaio e o "povo" não escolheu o "meu" candidato (não tenho receio em afirmar que era o Prof. Cavaco Silva). Em 2006 o "povo" escolheu eleger o Prof. Cavaco Silva. Não concordei com a decisão há dez anos. Rejubilei agora. O teu percurso foi o inverso.
A democracia tem destas coisas: quanto a sapos, agora engulo eu, amanhã engoles tu!
Enquanto assim for podemos estar descansados.
Viva, Leandro.
Se reparares no que escrevi (e que, para não haver dúvidas, tem um tom irónico e não ofensivo para quem votou em quem quer que seja), não há qualquer crítica a Cavaco Silva. Muito pelo contrário, acho que ele geriu estrategicamente a sua campanha de forma perfeita.
Agora pergunto eu, o que aconteceu de relevante nestes 10 anos para tornar cavaco Silva um candidato apetecível para 50,6% por cento das pessoas que votaram? No teu caso, a convicção de que era melhor que os outros. Mas muitos mais foram arrebanhados, no pior sentido da palavra, pela tal democracia da comunicação de sentido único.
É o que temos, mas não tenho de me dar por satisfeito. E protesto!
Caro Alexandre,
Continuo a não discordar totalmente dos teus argumentos. Mas não te esqueças que essa comunicação de sentido único (ou espírito de carneiro, expressão minha)também funcionou contra Cavaco há dez anos. Há dez anos, Cavaco Silva foi "pintado" como um governante arrogante, duro, inflexível e avesso a políticas sociais. Respondendo à tua pergunta: o que mudou nestes dez anos foi a percepção de que Cavaco não é nem nunca foi o demónio que a "comunicação de sentido único" construiu há dez anos. A história é implacável e, mais tarde ou mais cedo, repõe a verdade. Como apoiante de Cavaco Silva desejo que ele corresponda à imagem que a "comunicação de sentido único" tem dele neste momento e que a história a confirme. A este propósito falaremos daqui a dez anos.
Um abraço.
É preciso ver q Cavaco preparou muito bem a sua campanha. O problema é q apostou numa táctica q considero incorrecta em termos democráticos, baseada não não-discussão e da não-confrontação.
Mário,
Concordo contigo quando dizes que Cavaco preparou bem a campanha eleitoral. Quanto ao resto: não te esqueças que Cavaco, nestas eleições presidenciais, não jogou sozinho. Todos os restantes candidatos (a esquerda) optou por encarar a candidatuta de Cavaco a Belém como uma ofensa a uma esquerda tipo "virgem ofendida". Tentaram reanimar o velho papão reaccionário pós 25 de Abril e atacaram não as ideias de Cavaco, mas o seu passado e a sua pessoa. Curiosamente foi Cavaco quem tentou expor as suas ideias e a sua visão para o país. Concordo que muitas vezes ficou por generalidades e banalidades. Mas não seria o papel de uma esquerda moderna obrigar Cavaco a discutir ideias e caminhos concretos para o país?
Neste cenário, nada obrigava Cavaco a prejudicar-se (basta lembrar a reação ridícula à sua proposta para a criação de uma nova Secretaria de Estado).
Estas eleições deixaram-me duas convicções: primeiro, em Portugal temos um centro-direita moderno que foi aceite pela maioria dos portugueses sem medos anacrónicos; segundo, em Portugal temos uma esquerda complexada que, com estas eleições, teve a prova provada de que não vivemos ainda num período pós-revolucionário mas numa democracia consolidada que se renova ciclicamente.
São estas as minhas reflexões.
Um abraço.
OK, Leandro. Agrada-me o modo como defendes os teus pontos de vista. Basicamente era isso que eu gostava de ver em Cavaco. Gosto de políticos afirmativos, e ele pareceu-me muito escorregadio e calculista (como aquela coisa do "outro-partido"; caramba qual era o problema dele em dizer CDS-PP?).