O que me preocupa mais na nova alteração legislativa do instituto jurídico do divórcio não é tanto o conteúdo dessas alterações, mas a motivação que as precede.
Não compreendo tanta precipitação; não compreendo a falta de debate; não compreendo o provincianismo socialista de inspiração ibérica; não compreendo como se podem sobrepor pragmatismos políticos a valores e à técnica jurídica.
Sendo o divórcio uma questão socialmente fragmentária (tal como o aborto), é absolutamente inadmissível que o debate se limitasse a uma tarde de discussão televisiva transmitida via RTP. A esquerda ostracizou o debate, assim como ostracizou a igreja (a quem ainda deve uma regulamentação - a da nova Concordata). A Igreja é uma força social de Direito e de facto na nossa sociedade e toda a esquerda pretendeu afastá-la do debate com o pretexto de que se estava a falar do casamento civil e não do católico. Resumindo, uma negação clara da legitimidade desta em intervir na sociedade portuguesa. Atitude lamentável e antidemocrática. A esquerda "não esteve para conversas" com ninguém e alterou o regime jurídico deste instituto sem o necessário consenso entre Partidos do "arco do poder" e que, por ilações que tiro do debate parlamentar, até seria possível e recomendável obter.
Patético foi também o tributo acéfalo socialista em relação ao PSOE. Em nome das novas tendências nas modas políticas socialistas, o PS importou para Portugal a "modernidade" ibérica no que ao divórcio diz respeito. Com um importante benefício acrescido: piscou claramente o olho ao BE, antecipando uma possível perda da actual maioria absoluta nas próximas eleições legislativas; afinal de contas, será mais fácil governar com o BE do que com o PCP e a sua ortodoxia ideológica; com o BE bastará satisfazer pontuais investidas libertárias de esquerda - de resto, ao que se resume o conteúdo político deste Bloco.
Em termos técnicos, esta alteração apresenta incontornáveis dificuldades de aplicação do Direito, potenciará maior litigiosidade e parece por em questão a unidade do sistema jurídico. Não nos podemos esquecer de que estamos perante alterações a um dos principais e estruturantes documentos legislativos da nossa sociedade: o Código Civil. E, se nos interessarmos por conhecer o processo histórico de revisão do Código de Seabra e a sua substituição pelo Código de Vaz Serra, verificamos que o trabalho meticuloso e cuidadoso de ilustres mestres como Antunes Varela, Inocêncio Galvão Telles e do próprio Vaz Serra, entre outros, tem vindo a ser sistematicamente retalhado e desrespeitado por intenções legislativas irreflectidas e irresponsáveis que destroem a coerência e a unidade do nosso sistema jurídico - aumentando assim a conflituosidade jurídica e social.
Por último, resta censurar esta nova modernice: a aversão ao princípio da culpa. Com as recentes alterações, retira-se a culpa da dissolução do vínculo matrimonial mas recorre-se a ela para a resolução das principais áreas de litigiosidade do processo de divórcio: a regulação do poder paternal (ou das “responsabilidades paternais”, na nova designação de cosmética legislativa) e a partilha de bens. Este princípio, ora proscrito, ao contrário do entendimento propagandeado, tem como finalidade proteger a parte mais fraca: aquela que age em respeito pelo contrato e pelos direitos da outra parte, cumprindo assim os seus deveres para com ela. E a parte mais fraca é, a maior parte das vezes e com pragmatismo, o cônjuge mulher que se vê abandonado depois de contribuir anos para uma vida em comum. A valoração da culpa do infractor não é uma sanção mas uma preocupação de justiça.
O que mais me entristece neste assunto é o facto de todo este fervor ideológico ser subsidiário de uma simples medida: a redução do prazo de três anos (ruptura da vida em comum - artigo 1781.º do Código Civil) enquanto fundamento objectivo para a dissolução matrimonial.
Mas outros valores se levantaram, tristemente.
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