O que vos vou contar, não foi tirado de nenhum site, jornal ou programa de televisão. Foi-me transmitido em pessoa e em primeira mão. Como sabem, dada a minha situação geográfica tenho o previlégio de conhecer e falar com pessoas que combateram nos mais diversos conflitos em que os EUA estiveram ou ainda estão envolvidos. Ver o canal História é uma coisa, o poder olhar a pessoa nos olhos, os gestos, as pausas, os sorrisos, as fustrações...as lágrimas e o incómodo que isso me causa, pode-se dizer que fica num nível bem diferente. Muito teria para vos contar. Mas porque por um lado, não sendo em pessoa perde um certo impacto e por outro, porque nem tudo o que sei posso escrever aqui, se é que me faço entender, vou deixar-vos dois pequenos excertos de uma dessas conversas.

Tonanha(T)- Quanto tempo?
John(J)- 18 meses, porque fui ferido num atentado à bomba. parti o pescoço e mais alguns ossos em diversas partes do corpo e fiquei ligeiramente desfigurado. Por isso fui obrigado a vir embora. Da primeira vez que fui ferido foi o colete à prova de bala e alguma sorte á mistura que me salvou. Tive ferimentos ligeiros de uma bala de um sniper.
T- E porque é que fostes ?
J- Fui porque no 11/9 morreram amigos meus...polícias, bombeiros... eu tinha que fazer alguma coisa para apanhar esses filhos da p....
T-No tempo que lá estivestes, o que foi que mais te marcou?
J- Quando nos deslocávamos para o nosso acampamento, atravessamos uma pequena vila. Uma mulher saiu de uma das casas e fez sinais de quem tem fome. Um dos soldados deu-lhe um chocolate. A mulher não perdeu tempo e praticamente engoliu o chocolate inteiro. Mais pessoas apareceram, agarraram em pedras e apedrejaram a mulher até à morte.
T- Então, voces não fizeram nada!?!??
J- Nessa altura as ordens eram de não interferir em situações como esta. Em ano e meio que lá estive vi costumes como estes mudarem, vi pessoas a sair do escuro, sorrir e agradecer a nossa ajuda.

Não pretendo escolher lados ou justificar decisões, muito menos criar herois. Apenas partilhar com vocês aquele que eu acho ser o factor mais ignorado nestes conflitos. O factor humano.

17 Comentários a “Em primeira mão.”

  1. # Blogger Alex

    Não referes se o John esteve no Afeganistão ou no Iraque, mas imagino que tenha sido no Afeganistão, porque senão a frase "apanhar os filhos da puta do 9/11" não faz sentido.
    Ou faz?! Em 2003, uma sondagem do New York Times mostrou que 45% dos americanos acreditava que Saddam Hussein estava pessoalmente envolvido no antentado às Torres Gêmeas e outra sondagem do Knight Ridder dizia que 44% respondeu que "muitos" ou "alguns" dos supostos terroristas eram cidadãos iraquianos. Isto aconteceu por acaso?
    Embora digas que não escolhes lados, esta é altura de escolher lados, para que isto não volte a ocorrer. Não consigo imaginar o que o teu amigo sentiu quando soube que o "relatório" que Powell levou à ONU era uma colecção de invenções (ainda para mais copiadas), ou quando saiu o relatório do Congresso a dizer que não existiam armas de destruição maciça. Não imagino, mas suponho que deva doer tanto quanto a bomba que o desfigurou.  

  2. # Blogger Tonanha

    Queres que lhe pergunte o que ele pensa?  

  3. # Blogger Alex

    É óbvio que não. Eu nunca imcomodaria uma pessoa que sofreu na pele o terror da guerra com a minha curiosidade. Aliás, interessa-me mais aquilo que tu pensas sobre isso.  

  4. # Blogger Tonanha

    Afinal de contas, sempre tens coração. Quanto à minha opinião, posso dizer que me preocupa mais como é que isto vai acabar. Talvez após as eleições haja alguma luz sobre o assunto. Assim espero.
    Já agora a minha pergunta era, como se diz...retórica.  

  5. # Blogger Leandro Covas

    O que eu não percebo, sinceramente, é este "fundamentalismo" da razão que exige que se escolha um lado, que se tome partido, que se opte entre demónios e anjos. Eu sinceramente não percebo esta demanda por uma uniformização absolutista que apenas acarreta assepsias axiológicas.
    Desculpa Alexandre, mas recuso jogar esse jogo. A razão está e deixará de estar com ambas as partes num conflito. Eu prefiro a honesta relatividade. A história fará a concorrência de culpas.  

  6. # Blogger Alex

    Sempre que se fala do Iraque ou do 9/11, a perguntas concretas respondem-me com evasivas ou retórica. Leandro, o teu argumento tem fundamento se não considerarmos os factos concretos que levaram aos acontecimentos.
    Sejamos claros e directos.
    Colin Powell levou documentos falsificados para a ONU porque o seu governo queria invadir o Iraque. A invasão seguiu-se de imediato e a fraude foi descoberta passados poucos dias. Verdadeiro ou falso?
    Houve uma colagem irresponsável e abusiva da ditadura iraquiana aos ataques terroristas a Nova Iorque. Verdadeiro ou falso?
    Se o Ministro da Defesa português tivesse executado uma falsificação semelhante estaríamos todos de acordo que ele e os outros responsáveis deveriam ser executados e levados à barra dos tribunais. Verdadeiro ou falso?  

  7. # Blogger Leandro Covas

    É possível que seja falso. Mas também é possível que a fraude não tenha sido do Governo. Como é possível que se trate de um erro de informação que pode ter sido implantado por quaisquer pessoas ou grupos com interesse na invasão do Iraque pelos EUA. E esses interesses não têm necessariamente de ser americanos.O problema é que tu, sem prova produzida, queres assumir como facto verdadeiro algo que, apesar de ser a hipótese mais provável, não passa (hoje) de especulação. Certo?
    E daí o que disse atrás ter pleno cabimento e aplicação aqui.
    Porque parece que os EUA também têm sido alvo de repetidos ataques terroristas. Certo?
    Apesar de repudiar a actual política externa dos EUA, não transformo o Bush num demónio e sei que a vida não é a preto e branco, mas em milhões de tons de cinzento. Se isso é ser evasivo ou retórico, paciência. É a natureza das coisas. Conforma-te.  

  8. # Anonymous Anónimo

    Leandro, eu discordo em absoluto do que tu afirmas nestes comentários, mas não me apetece discutir porque acho que assumes uma posição de fuga da racionalidade. Levado ao extremo o teu argumento levar-nos-ia para a total apatia: não podia criticar o Governo, não podia criticar nenhum partido, nenhum político, nenhuma ideologia, nenhuma religião, nenhum país, nenhum povo, enfim, nada. Nada é absolutamente absoluto, nada é completamente a preto e branco. Para uma pessoa que facilmente utiliza termos como fascista e estalinista para caracterizar o Governo de Sócrates, convenhamos que é muito estranho esta tua argumentação.
    Mas sobretudo gostava que me explicasses esta frase:
    «A razão está e deixará de estar com ambas as partes num conflito.» De que partes do conflito é que estás a falar? Não percebi, confesso.  

  9. # Blogger Leandro Covas

    Mário,

    O que eu defendo, em suma, é a relatividade de todos os tópicos, não a impossibilidade de crítica seja lá do que for.
    Eu não utilizo adjectivos pela sua facilidade mas por me parecerem, após devida ponderação, adequados. E isso não me tem impedido de concordar, pelo menos em tese, com muitas das medidas de Sócrates.
    Para que percebas: o que eu critico é a necessidade (neste caso do Alexandre) de tomar partido - o que invariavelmente acarreta uma forte tentação para não reconhecer argumentos e razões à outra parte. Tomar o partido de algo ou de alguém torna-nos menos receptivos à realidade - que é multidimensional. Eu apenas comentei o aparente impulso emocional do Alexandre em tomar partido quando me parece, e é apenas a minha opinião, que o impulso mais rico será precisamente o contrário. E se abstraires do assunto controverso que o motivou - a guerra do Iraque - és forçado a concordar comigo.
    E se há coisa de que não me podes acusar é de irracionalidade. Uma coisa é não concordares com as minhas razões, outra diferente é alegares que eu não as apresento. Parece-me que sempre consegui apoiar as minhas posições em razões válidas - e até, modéstia à parte, rebater argumentos teus com a mesma ferramenta.
    Para finalizar: qual destas posições de princípio achas mais racional: admitir que ambos os lados de uma questão podem apresentar razões válidas ou que estas estão sempre e só do lado que defendemos?
    Eu voto na primeira. E tu?
    PS: quando falo em conflito, utilizo o tema de forma lata. Poderá ser um conflito bélico como um conflito de ideias, como civilizacional, ...  

  10. # Blogger Leandro Covas

    Quero finalizar esta diatribe alheia com um chavão: o que eu peço aos meus amigos é que se esforcem por manter uma "open mind" sobre todas as coisas.
    É pedir demais?  

  11. # Blogger Alex

    Só respondo à parte em que dizes que eu "sem prova produzida, queres assumir como facto verdadeiro algo que, apesar de ser a hipótese mais provável, não passa (hoje) de especulação.".
    Estão aqui as ligações. Se isto faz ou não prova do que afirmei, é com cada um.
    http://edition.cnn.com/2005/WORLD/meast/08/19/powell.un/
    http://www.usatoday.com/news/washington/2005-09-08-powell-iraq_x.htm
    http://www.thinkandask.com/news/colinpowell.html
    http://www.commondreams.org/headlines04/0715-05.htm  

  12. # Blogger Leandro Covas

    Alexandre,
    Reconheço que meu grau de exigência quanto à prova possa, por "deformação" profissional ser diferente do teu. Reconheço também que existe uma prova prima facie de que as provas foram, aparentemente, moldadas a servir uma causa. Isto a bem de uma certa honestidade intelectual. No entanto, também em nome dessa honestidade, tens de reconhecer que ainda ninguém sabe exactamente o que se passou. Daí a minha cautela e opção pela presunção da inocência.
    Também reconheço que, no tribunal da opinião, tens toda a lógica quando tiras as conclusões que tiras.Provavelmente tens razão e foi isso que aconteceu.
    No entanto, para mim e mesmo depois da leitura das fontes que indicaste, o assunto continua demasiado nublado para se ir para além disso. Percebes o meu raciocínio e as minhas reticências?  

  13. # Anonymous Anónimo

    Leandro, eu aceito obviamente que se possa discordar. A questão é esta: que argumentos tens para discordar? Ou para manter sequer a dúvida. É isto que nunca vejo ninguém que defenda a intervenção fazer.
    O que eu vejo é uma fuga da racionalidade.
    Tens direito às tuas posições, mas argumenta. Só isso. Racionalmente.  

  14. # Blogger Leandro Covas

    Mário,

    Agora percebi o teu problema: partes do princípio que eu defendo a intervenção no Iraque. E daí não conseguires passar e perceber que os meus comentários só reflexamente têm a ver com ele. O que eu critiquei, deixa reiterar, foi o impulso para, a priori, "tomar o lado" de uma questão quando eu prefiro manter todas as opções em aberto e manter uma atitude imparcial e só depois formar opinião.
    Quanto a razões para "manter a dúvida": existem, sei lá, questões fundamentais por responder: houve negligência grosseira ou dolo (sem as quais não há culpa e logo ilícito)? Se houve, por parte de quem? Que meios de prova foram produzidos e qual a sua credibilidade? Funciona ou não o principio constitucional da presunção da inocência? Se reparares, os dois primeiros links apresentados pelo Alexandre acima mostram depoimentos conflituantes em que num Powell acusa os serviços de informação e no outro ocorre o inverso.
    Queres que eu argumente com racionalidade? Pois bem! Bastam estas (e outras) questões de princípio que referi acima e que nos asseguram um julgamento justo? Negas aos outros o "due process" que desejas para ti.
    Acho que estas razões chegam.
    Um abraço.  

  15. # Anonymous Anónimo

    Leandro, tu ainda percebeste o meu ponto. Mais uma vez digo, eu aceito qualquer posição, desde que me expliquem, que me argumentem. Mesmo aqueles que têm dificuldade em assumir uma posição têm de argumentar. Por que razão é que não assumem uma posição? Quais são os argumentos de um e de outro lado que o levam a ficar indeciso? A mim acontece-me isto montes de vezes, sobre inúmeras questões. Olha, por exemplo, sobre esta lei do tabaco. Ambos os lados apresentam argumentos que me parecem válidos.
    Agora, sobre a Guerra no Iraque, eu não vejo nada disto, o que eu reparo, pelo contrário, é que muitas das pessoas que foram a favor da intervenção resolveram, perante o descalabro dos seus argumentos (as armas de destruição maciça, a ligação à Al Quaeda, a democratização do Iraque, etc) refugiarem-se na posição da neutralidade. É claramente uma fuga da irracionalidade, perante a dificuldade em assumir que estavam errados.  

  16. # Blogger Leandro Covas

    Mário,
    Não confundas as coisas. Uma coisa é a bondade da guerra no Iraque. Outra é o atribuir de responsabilidades por essa guerra. Eu apenas expressei a minha não convicção acerca da última. Ou seja, considero hoje que a guerra foi um erro político, estratégico, militar e humanitário. Mas daí não posso automaticamente condenar, por presunção de culpa, os responsáveis pela invasão. É este salto (i)lógico que eu recuso dar com base em considerações políticas e afectivas que têm ligações, por vezes, pouco sólidas com uma factualidade que, por variadas razões, ainda desconhecemos hoje.
    A falsidade das razões que apontaste pode ter sido premeditada como pode ter ocorrido um lamentável e "honest mistake" motivado pela notória má e pouca informação que os EUA tinham da região. Existem muitas perguntas que ainda não foram feitas. Por exemplo: qual o papel dos serviços secretos israelitas e sauditas nesta trapalhada?
    O que parece é que quem é fervorosamente contra a guerra e anti-americano não faz esta distinção entre a condenação da guerra em si e a condenação dos seus responsáveis. E estes sim, juntamente com aqueles que negam as evidências que referistes é que fogem à racionalidade.
    Isso eu sei que não é o meu caso.  

  17. # Blogger Leandro Covas

    Mário
    Para concluir: quem tem demasiada pressa em tomar partido turva a sua capacidade para fazer o tipo de distinção que fiz acima. E isso é mais perigoso do que negar as evidências a coberto de pretensas neutralidades.
    Percebes agora as minhas razões?  

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