Há dois anos recebi das mãos do Valter um conjunto de folhas A4 impressas e intituladas "O remorso dos homens bons". Nesse mesmo dia descobri que a obra era dedicada a mim e aos seus outros irmãos, os de sangue. A leitura foi rápida, nem uma semana demorei a perceber que ali estava qualquer coisa muito mágica, ao mesmo tempo muito distante e muito próxima de todo o Valter que eu conhecia. No final senti uma indisfarçável vaidade por ter o meu nome na dedicatória e dei disso conta ao meu amigo, juntando ao elogio o agradecimento. E estas folhas moraram nos dois últimos anos na minha mesinha de cabeceira, sempre prontas a serem desfolhadas e relembradas.
"O remorso dos homens bons" tornou-se "O remorso de Baltazar Serapião", e não precisava ter ganho o prémio Saramago 2007 para ser um dos meus livros preferidos de sempre. Fiquei algo triste quando o livro não teve o reconhecimento imediato que eu lhe achei devido. Da mesma forma que hoje chorei de emoção ao saber do prémio. Já não pelo livro, esse não melhorou com o prémio, antes foi o prémio a ganhar ao distinguir esta obra-prima, mas pelo meu amigo.
O Valter, antes de ser mãe, foi muita coisa comigo. Foi colega de carteira nas aulas de Inglês na José Régio, foi co-autor de fanzines irremediavelmente palermas e divertidos, foi companheiro de viagens inesquecíveis a Lisboa, Paços de Ferreira e ao Porto profundo, foi vendedor de tralha na Vandoma, foi compincha de estudo ao sábado à tarde, foi fundador de editoras e lançador de músicas impossíveis, foi comprador de livros, discos e VHS a meias porque o guito era pouco e a fome de saber imensa. E ele, depois de dar à luz, ainda teve tempo de ser outros valteres: confidente de amor desencontrado, padrinho do meu casamento, a primeira pessoa a quem contei que iria ser pai. E tantas outras maquinações improváveis que tenho toda a certeza que, ao ler isto, não deixará o Valter de se lembrar ainda de mais improbabilidades prováveis, da canção "a Ana é nossa amiga" e da "dança do miguinho". E de outros segredos e tolices que fazem parte da metade das nossas vidas que já decorreu desde que nos conhecemos.
Por tudo isso, eu também ganhei um bocadinho do prémio Saramago 2007. E a parte que cabe deixa-me imensamente contente. Os parabéns que me são devidos dou eu próprio, com um enorme abraço ao meu amigo metamorfoseante, mãe de tanto em tão pouco espaço. Obrigado, Valter!
1 Comentários a “o meu Valter”
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gajos,
mil beijos de língua pelas vossas palavras. a malta é assim mas a malta é sempre amiga e tudo. fiquei sensibilizado e não quero dizer mais nada. ando a dizer muita coisa nestes dias. tenho de fechar a boquinha e pensar em dormir. estou cheio de sono. levantar às 7 da manhã é pecado.