Haverá coisa mais aborrecida do que tratar dos aspectos burocráticos da nossa cidadania? Não há, pois não. Mas quem se desmazela na custódia dos seus haveres sujeita-se a isso. Sábado de manhã lá me dirigi à Loja do Cidadão, no Porto, para renovar os documentos perdidos.
Para quem nunca foi à Loja do Cidadão, uma explicação: gente, muita gente, um corrupio de gente incrível. Tem uma coisa boa, é-se bem atendido, com simpatia e eficiência. Bom funcionalismo público. Pelo menos, esta foi a minha experiência.

Nestas alturas, no meio de tanto povo anónimo, por mais que façamos cara de poucos amigos, aparece sempre alguém a meter conversa connosco. E desta vez não houve excepções, enquanto estava à esperava de ser atendido pelo balcão do serviço da Direcção Geral de Viação, um senhor dos seus cinquenta anos, a propósito de não-sei-que-esclarecimento, achou por bem contar-me a sua história. Basicamente é isto: deixou a janela do carro um pouco aberta, e enquanto ia-e-vinha do café surripiaram-lhe o livrete.
Depois veio com a lamúria: «E agora estou eu aqui a perder o meu tempo, a gastar o meu dinheiro, enfim. Eu devia era de ser indemnizado pelo Governo! Que culpa tenho eu que me tenham roubado o livrete?»
Sorri, com complacência, e tentei introduzir alguma racionalidade:
«Mas olhe que o Governo também não terá culpa nenhuma.»
O homem mirou-me ofendido e respondeu:
«Eles deixam fazer tudo! Para que é que serve o Governo afinal, se eles deixam fazer tudo! Olhe que antes do 25 de Abril a gente até deixava as portas abertas do carro que não havia problemas nenhuns. Agora não, o Governo deixa fazer tudo!»
Desisti ao primeiro round. Baixei a cabeça e aguentei a prosa.
Quando, para meu alívio, surgiu no ecrã o número da minha senha e me libertei do homem, a conversa já ia nos ciganos.

1 Comentários a “Gente Difusa II”

  1. # Blogger Alex

    Há uns anos atrás, eu tinha uma espécie de magnetismo: se eu entrasse num transporte público e estivesse lá um louco (ou entrasse depois de mim) era ao pé de mim que ele se sentava. Agora, como raramente utilizo transportes públicos, deixou de acontecer.
    Por acaso, a última que me aconteceu do género também foi na Loja do Cidadão de Braga (que é excelente), mas foi na fila da TV Cabo (que é a pior empresa do mundo). Um senhor estava a queixar-se que pagava a SporTV e aquilo volta e meia ia abaixo. Já o vizinho, com uma instalação pirata, nunca tinha problemas. Coisas da TV Cabo, disse-lhe eu.  

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