As razões de princípio que apontei são para mim a pedra de toque da objecção aos Exames Nacionais. As outras que ainda vão abordar são casos particulares dos Exames portugueses que poderiam e deveriam ser corrigidos. Mas mesmo que o fossem, eu continuaria a objectar. Hoje também começo a escrever acerca dos mitos urbanos que se criaram nos 10 anos de vida das provas de exame. Cá vai o primeiro.
Mito urbano #1 - Os Exames Nacionais obrigam os professores a cumprir os programas das disciplinas.
Este mito, amplamente divulgado entre os próprios professores, é apontado pela grande parte dos defensores dos Exames Nacionais como principal motivação para a continuação (e alargamento) dos mesmos. Eu não nego que é um mito credível e até poderia ser um ponto a favor dos Exames num contexto abstracto. Só que no caso português, não é real e, mesmo se fosse, seria completamente irrelevante.
Antes de mais, note-se a inversão dos papeis. Os Exames foram criados para testar os alunos, mas segundo esta lógica pretendem, no fundo, controlar os professores. É estranho que tantos professores pensem assim...
Indo ao que interessa, em primeiro lugar, esta afirmação é falsa. Como expliquei no último post, os Exames não incidem sobre o programa da disciplina, mas sim sobre excertos previamente seleccionados, que são depois encaixotados em perguntas-tipo repetidas, com variações de dificuldade e contexto, de ano para ano. Ou seja, cumprir o programa não implica necessariamente preparar os alunos para o Exame, mas treiná-los para resolver as perguntas-tipo sim. Este facto explica perfeitamente porque os explicadores conseguem, em duas horas por semana, atingir resultados superiores aos professores que trabalham 4,5 horas com os alunos. Os explicadores fazem o percurso inverso: estudam os Exames e descodificam as perguntas-tipo. O programa não é chamado para nada.
E, em segundo lugar, o "cumprimento dos programas", no nosso caso particular, pouco mais é do que uma formalidade. Esta ideia de cumprir com uma planificação nacional pretenderia reforçar a criação de um "perfil" do aluno, no final de um ciclo de ensino. Ora, se há uma característica transversal a todo o sistema de ensino português é a desarticulação entre os diferentes ciclos. Portanto, a grande vantagem de forçar o cumprimento dos programas no Ensino Secundário seria preparar, de modo mais ou menos homogéneo, os alunos para o ingresso no Ensino Superior. Aqui é que a porca torce o rabo! Se se derem ao trabalho de pesquisar, verão que, nos cursos do Ensino Superior, disciplinas dos mesmos cursos leccionadas em Faculdades diferentes têm pré-requisitos completamente diversos. E conheço várias situações em que a mesma disciplina, na mesma Faculdade, varia significamente de curso para curso, quando não de um ano lectivo para o outro, dependendo da manutenção do docente ou da sua vontade. Ou seja, cumprir ou não cumprir o programa não é garantia de nada, em lado nenhum.
E, por último, reflictam. Tivemos décadas de ensino em que os professores supostamente não eram "obrigados" a cumprir o programa, porque não havia exames. Na última década, esta obrigação deveria traduzir um incremento significativo na preparação dos alunos para o Ensino Superior, como também se deveria ter reflectido nas notas dos próprios Exames. Deixo para os leitores a tarefa de verificar se assim foi.

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