Meu avô morreu hoje, em Niterói, Brasil, aos 91 anos de idade.
Foi em sua casa que eu nasci, dei os primeiros passos, os primeiros biqueiros numa bola de futebol e disse as primeiras palavras. Depois de termos mudado, passou a ser o ponto de encontro dos primos para as futeboladas de pé descalço dos sábados de manhã e à tarde.
Do meu avô herdei um sentido de humor peculiar e nonsense (como comprova a foto ao lado, que tirei em 93), o gosto pela leitura e a asma. Foi em sua casa que descobri, em livros velhos e já sem capa, Bocage e Camões, folheei um dicionário que grafava pharmácia com ph e segurei uns 78 rotações pesadíssimos, que se não me engano, eram da Amália.
O meu avô era um homem do mar até quando pode trabalhar, mas aos sábados, quando o via, não era o pescador que vinha ter connosco. Era um velhote amoroso, que fez balizas de madeira para o nosso futebol de rua com redes de pesca, construiu um andarilho para que eu, meu irmão e meus primos aprendêssemos a andar e que tinha sempre uma graça na ponta da língua. A brincadeira preferida dele, quando eu era pequenino, era arranhar-me com a barba por desfazer, antes de a cortar com a navalha que usava e guardava religiosamente. O meu avô, além de cozinheiro, era barbeiro no barco.
Da última vez em que estive com ele, em 2000, lembro-me de lhe fazer uma crista punk com os cabelos brancos que ele ainda conservava, e de me despedir com um forte abraço, uma arranhadela na cara, desta vez com a minha barba por fazer, e um "até à próxima". Ainda falámos ao telefone depois disso, mas a sua audição não permitia mais que um diálogo de surdos, como da última vez, há poucos meses.
Afinal a próxima vai demorar mais do que aquilo que eu queria, mas mesmo assim, até à próxima, avô!
4 comentários
Por Alex
às 19:02.
Foi em sua casa que eu nasci, dei os primeiros passos, os primeiros biqueiros numa bola de futebol e disse as primeiras palavras. Depois de termos mudado, passou a ser o ponto de encontro dos primos para as futeboladas de pé descalço dos sábados de manhã e à tarde.
Do meu avô herdei um sentido de humor peculiar e nonsense (como comprova a foto ao lado, que tirei em 93), o gosto pela leitura e a asma. Foi em sua casa que descobri, em livros velhos e já sem capa, Bocage e Camões, folheei um dicionário que grafava pharmácia com ph e segurei uns 78 rotações pesadíssimos, que se não me engano, eram da Amália.
O meu avô era um homem do mar até quando pode trabalhar, mas aos sábados, quando o via, não era o pescador que vinha ter connosco. Era um velhote amoroso, que fez balizas de madeira para o nosso futebol de rua com redes de pesca, construiu um andarilho para que eu, meu irmão e meus primos aprendêssemos a andar e que tinha sempre uma graça na ponta da língua. A brincadeira preferida dele, quando eu era pequenino, era arranhar-me com a barba por desfazer, antes de a cortar com a navalha que usava e guardava religiosamente. O meu avô, além de cozinheiro, era barbeiro no barco.
Da última vez em que estive com ele, em 2000, lembro-me de lhe fazer uma crista punk com os cabelos brancos que ele ainda conservava, e de me despedir com um forte abraço, uma arranhadela na cara, desta vez com a minha barba por fazer, e um "até à próxima". Ainda falámos ao telefone depois disso, mas a sua audição não permitia mais que um diálogo de surdos, como da última vez, há poucos meses.
Afinal a próxima vai demorar mais do que aquilo que eu queria, mas mesmo assim, até à próxima, avô!
4 Comentários a “Até à próxima, avô!”
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Alex,
Os meus sentidos pêsames. Também eu perdi a minha avó há dois anos e a dor está sempre a uma lágrima de distância.Daí a partilha.
Um grande abraço.
é desarmante. o teu avô era muito muito fixe. depois falo-te
obrigado.
Os meus Pesâmes, Alexandre.
nem todas as pessoas se abririam assim num espaço público para falar de seus íntimos e num dia destes. Muita presença e personalidade. Abr.
apenas por recordar, meu avó paterno se fosse vivo tinha hoje 124 anos.