Há bocado Mourinho sofreu um (raro) revés, e lembrando das incidências desta eliminatória e outros episódios semelhantes, ocorreu-me que, posso dizer que todos estes mind games que Mourinho cria advém da mesma fonte. Pode ser que existam outros treinadores com os conhecimentos de Mourinho. Mas eu nunca vi ninguém que gostasse tanto de ganhar como o português.
O que levou o meu pensamento para outro desportista que partilhava esta sede insaciável de conquista. Tony Miles foi um grande mestre de xadrez que chegou a ser o melhor jogador fora da URSS nos anos 70. E era britânico. Mas ao contrário da maior parte dos britânicos, não tinha fleuma nenhuma. O que ele queria era vencer. Sempre. Não vencer um torneio, ou uma série de jogos. Pela sua própria admissão, o que fascinava Miles era vencer o próximo jogo e era nisto que ele concentrava toda a sua energia. O comportamento de Miles deu origem a um termo, correlato do sportsmanship (espírito desportivo), que é o gamesmanship, que Mourinho também tem aos litros. Os jogadores de xadrez, segundo as normas de conduta do jogo, não podem falar com os adversários durante a partida. Miles espirrava e assoava-se para um lenço enorme durante o jogo, sem quaisquer indícios de constipação, cumprimentava os oponentes com um aperto de mão fortíssimo antes do encontro, tossia quando o adversário se preparava para pegar numa peça, etc. E ganhava.
Há um episódio curioso que ilustra bem o efeito que isto tem nos adversários. Quem está minimamente familiarizado com o xadrez lembra-se de Anatoly Karpov. Karpov era o melhor jogador do mundo no final da década de 70 e início de 80. O que fazia quase imbatível era o seu instinto e pragmatismo. Era impossível apanhar Karpov desprevenido numa situação de perigo. Quando Miles defrontou-o, no Campeonato da Europa, em 1980, respondeu ao seu lance de abertura, peão de rei duas casas para a frente, com o peão de torre de dama uma casa para a frente (1. e4 a6). Um lance de principiante, que ninguém se lembraria de executar contra o campeão do Mundo (ou qualquer outro jogador, já agora!), e que provocou imediatamente gargalhadas entre a assistência, composta quase exclusivamente por grandes mestres e jornalistas. Karpov confessou mais tarde que se sentiu pessoalmente insultado por este lance. Pois bem, o jogo prossegue e Miles, imperturbável, defende-se correctamente até chegar a uma situação em que o empate seria o desfecho natural. Mas Karpov, ainda agitado pela afronta, deseja ganhar a qualquer custo e começa a correr riscos. Uma ou duas imprecisões depois, e Karpov tem o jogo perdido e Miles termina com uma técnica impecável. Karpov, quase a ter um acesso de raiva, mal o cumprimenta no final da partida.
Eu não sei se Mourinho não conhece esta história, mas dar-lhe-ia imenso prazer conhecer Miles, disso tenho a certeza.

2 Comentários a “Gamesmanship”

  1. # Blogger Cristina Caetano

    Será que dá para encaixar o Lula neste meeting...?  

  2. # Blogger Mário Azevedo

    curiosa essa história. mourinho não será tanto assim, mas o espírito é o mesmo.  

Enviar um comentário

Procura



XML