Depois das manifestações em França, relembraram-me ontem, via telejornal, que nos últimos sete anos perdi sempre poder de compra face à inflação. Não sei se será um recorde, mas se não for, estará perto. São sete vezes consecutivas em que o Estado resolve poupar nas despesas sacrificando os seus trabalhadores. Só não nos acontece o mesmo que aos franceses dada a nossa capacidade de afogar mágoas nas conversas de café ou a ver a bola ou telenovelas.
Mais a sério, ultrapassamos largamente, na nossa Europa civilizada, industrializada e ocidentalizada, o ponto de não-retorno no que toca aos direitos sociais. Daqui para a frente será sempre a descer. Não por não termos tido alternativas, mas porque não as quisemos. Nos últimos vinte anos ouvimos ideias sérias e propostas concretas para revitalizar e estender o alcance do nosso estado-previdência. Preferimos, entretanto, entregar os nossos destinos a Cavacos, Barrosos, Berlusconis, Aznars e outros, que, por sua vez, fizeram exactamente aquilo para que foram eleitos: possibilitaram que todo o capital e todo o poder de produção se tenha concentrado de tal forma que não vale mais a pena espernear. Temos mesmo de pagar o custo das nossas escolhas e fazer a travessia do deserto.
O que podem os arautos da igualdade, fraternidade e solidariedade fazer nestes dias? Os mais pragmáticos (o Mário é um bom exemplo), já alinham com o outro lado. Pois bem, dos males o menor.
Faz-me, no entanto, alguma pena ver os estudantes em Paris, ou os nossos sindicalistas, ou aquela senhora que no dia em que o supra-partidário subiu ao trono, pedia-lhe que "olhasse pelos pobrezinhos". Assemelham-se às galinhas já com a cabeça cortada, mas que desatam a correr em círculos. Nem sequer têm a consciência da agonia.
8 comentários
Por Alex
às 21:51.
Mais a sério, ultrapassamos largamente, na nossa Europa civilizada, industrializada e ocidentalizada, o ponto de não-retorno no que toca aos direitos sociais. Daqui para a frente será sempre a descer. Não por não termos tido alternativas, mas porque não as quisemos. Nos últimos vinte anos ouvimos ideias sérias e propostas concretas para revitalizar e estender o alcance do nosso estado-previdência. Preferimos, entretanto, entregar os nossos destinos a Cavacos, Barrosos, Berlusconis, Aznars e outros, que, por sua vez, fizeram exactamente aquilo para que foram eleitos: possibilitaram que todo o capital e todo o poder de produção se tenha concentrado de tal forma que não vale mais a pena espernear. Temos mesmo de pagar o custo das nossas escolhas e fazer a travessia do deserto.
O que podem os arautos da igualdade, fraternidade e solidariedade fazer nestes dias? Os mais pragmáticos (o Mário é um bom exemplo), já alinham com o outro lado. Pois bem, dos males o menor.
Faz-me, no entanto, alguma pena ver os estudantes em Paris, ou os nossos sindicalistas, ou aquela senhora que no dia em que o supra-partidário subiu ao trono, pedia-lhe que "olhasse pelos pobrezinhos". Assemelham-se às galinhas já com a cabeça cortada, mas que desatam a correr em círculos. Nem sequer têm a consciência da agonia.
8 Comentários a “Nós - europeus”
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Nesse caso específico - teu post - detesto ter de te dar razão. Lembro-me bem do que consumia e gastava nos anos 90 e a diferença que fui sentindo com o passar dos anos que piorou muito com a entrada do euro porque "resolveram" - entre muito mais outras coisas, claro - arrendondar centavos. E essa perda de um direito na França só nos faz ter a certeza de que daqui para a frente vem mais notícias do mesmo gênero. :(
eu gostava de saber o que é que a igualdade, a fraternidade e a solidariedade tem que ver com isto? e já agora também gostava de saber o que é que a perda de compra tem que ver com isto?
Intróito: Como a intrínseca essência de um blogue assenta deveras na contradição do (principio do) contraditório, legitimamente justo (aí um fórum revela outra maturidade e sentido democrático, e sobretudo mundividência), escolho entranhar-me no antro da democrática caixa do comentários, espaço de mácula para muitos (propostos primus interpares), mas que aparto de tal aparente pecado.
Entretantos: Não me surpreende assim tanto que em face do actual nível da inteligibilidade e do desenvolvimento da raça humana a assunção do capitalismo desregrado aos correntes patamares, que aliás discorro ter principiado a tanger a sua maximização, antevendo-se que sua sequente perduração (artificiosa) será a morte do artista, mormente enquanto vacum evolucionista. Século e meio, efectivamente errático, de fecundação de uma alteridade hominídea disforme, pejada de hediondez; numa presuntiva complementaridade extrínseca, rebate-me na mente a incerteza se será alguma vez rectificado ou somente minimizado? Apenas nossos longínquos descendentes se até aí perdurarem poderão responder a tal enunciação.
Como tal entendo que contribuir no ofertório de lenha para o capitalismo desregrado se auto-imolar será uma conveniente estratégia.
Num nível mais abstracto de análise considero que o capitalismo desregrado assenta sua primaz e afigurada robustez na objectividade por vezes volumétrica, outras vezes incomensurável, das Coisas.
Petróleo, aço, carvão, sílica, borracha, e mesmo nas indústrias de serviços e I&D, o suporte primordial da nossa sociedade ainda é o físico, o material, o tangível, o delimitado, o afincado a referências, a certos senhores. Com certeza, o lascivo pasto que tem amamentado o capitalismo desregrado!
Acresce entre outros factores que na miraculosa fórmula que muito tem anafado o capitalismo desregrado o elemento da procura foi “recentemente” e como nunca na História exponenciado, pois se ainda há cerca de cem anos calcorreavam o mundo somente um quarto dos humanos que hoje o fazem, e talvez com um quarto da ânsia consumista dos nossos actuais convulsos espíritos.
Um enchimento BOOMesco de um balão que mais breve do que se crê rebentará na esfinge canibalesca dos MAYORais.
O primado dos bens imateriais, intangíveis, ilimitados, multi-referenciáveis, que ninguém poderá tomar como exclusivamente seus, muito em breve se afirmará, e seu paradigma incorporar-se-á transversalmente no mundo dos sapiens sapiens, numa Nova e auspiciosa dimensão desta espécie, apenas comparada com alguns dos decisivos passos na hominização. E aí, os obsoletos arquétipos do capitalismo desregrado não serão mais que o símbolo de uma passada idade de trevas.
Basta ver a agora em voga BieloRÚSSIA, apesar as máfias de petróleo e gás natural que estão no governo em silenciá-la, a oposição através, entre outros, de meios de (tele)comunicação como a Web subsistiu e até se fortaleceu.
Esses valores intangíveis, omnipotentes são o cancro do capitalismo desregrado, contudo um saudável elixir para o HOMEM.
O conhecimento, o pensamento, o acto criativo,… a felicidade, ditosamente nunca poderão ser usurpadas num monopólio scroogiano.
BTW Alexandre, não são os Juízes e Magistrados, que trabalham como desalmados para colocar no sítio certo pessoas como o Berlusconi, que tu não gostas nada?
Como complemento ao post, refiro:
- não faço juízos de valor a quem defende interesses, sejam seus, seja de quem quer que os tenham colocado nos lugares que ocupam. O facto de não gostar/concordar da filosofia e do pensamento político de quem dirige a Europa não me tolda a visão para o bom trabalho que estão a fazer, em nome de quem os pôs lá. Na minha óptica, apenas, quem os pôs lá e quem votou neles não são as mesmas pessoas.
- A questão francesa tem tudo a ver com a solidariedade e fraternidade; os franceses que saíram à rua clamam estes valores. Mas depois elegem quem pretende apenas a competitividade;
- quando falei do poder de compra, foi do meu. A agenda política dominante almeja ao extermínio do serviço público enquanto garante de uma parte dos direitos sociais; e eu sou funcionário público. É tudo.
Cristo! Como é possivel escrever comentários com a dimensão que vocês fazem enquanto estão a trabalhar. É por isso que este país não vai para a frente.
o teu problema é achares que quem defende a liberalização do mercado de trabalho defende só o interesse dos patrões. eu não acho, queres um exemplo (já que falas na tua experiência pessoal, aqui vai a minha): eu adorava ser professor, e uma das razões (não a única) que me impede de o ser é a escola estar cheio de gente incompetente no meu lugar, que devido à legislação da fraternidade não podem ser despedidos. uma legislação demasiado estanque beneficia acima de tudo quem é mau profissional.
Como estamos na onda dos complementos de textos tb adito:
Quando me referi relativamente ao capitalismo desregrado à objectividade incomensurável falava de um objectividade inúmera, de feição sobretudo quantitativa, de economias de escalas, de valores infinitos de produção material
1 - K, eu escrevi o comentário na minha hora de almoço.
2 - Eu não disse que a agenda neo-liberal é exclusiva dos patrões. Aliás, em Portugal há grandes empresários com perspectivas diferentes (os Nabeiro, de Campo Maior, por exemplo). Eu falo da agenda política dominante. Tens razão no teu argumento, mas o reverso da medalha é que a legislação demasiado permissiva prejudica os que não são maus profissionais.